Conto que teve como referência o livro "Reino das Sombras" de Camila Fernandez
Num reino distante havia uma princesa. Cercada de privilégios e riquezas era feliz mas faltava-lhe algo, ou melhor, alguém. Pelo menos era isso que ouvira desde a tenra infância. Um homem, seu salvador. Aquele que a tiraria de sua submissão perante sua família. Mesmo cercada de privilégios e riquezas, mal podia sair do castelo. Claro, todos temiam sua segurança mas era muito diferente do seu irmão que, desde cedo já acompanhava o rei nas caçadas...
Certo dia, porém, quebrando sua rotina monótona de eterna espera, eis que o rei e a rainha anunciam que ela irá para uma terra longínqua. Não para conhecer um homem, mas para conhecer a língua e os costumes do local. Não ficaria nem muito, nem pouco tempo. Mas ficaria o suficiente para aprender mais, conhecer mais. O rei e a rainha temiam que a filha não conhecesse nada além do seu reino. Mesmo tratando o príncipe de forma diferente, deixando-o livre para ver o mundo, tinham um leve senso de justiça. Não queriam prender a filha para sempre naquele castelo sem deixar que ela visse algo além do que conhecia. Sabiam também que com a chegada de um pretendente, nada mais seria o mesmo... O reino longínquo era de um aliado, que, além de aliado nas guerras, era também aliado econômico. Possuiam mercadorias que nenhum outro reino fornecia. Diziam que as coisas vindas deste lugar tinham algo diferente, traziam sorte...
~ Nas terras longínquoas ~
No reino longínquo também havia uma princesa. Claro que sabia o que representava e não negava isso mas preferia muito mais ser vista como uma guerreira. Desde cedo invadia o treino de espadas dos dois irmãos mas, ao mesmo tempo, também sabia as cortesias de uma princesa. Sabia se portar de modos diferentes, em ambientes diferentes. O rei e a rainha já haviam reprimido muito a princesa por ter o gosto pelas lutas mas, nada podiam fazer. Ela era insistente e o cavaleiro que ensinava os seus irmãos não a tratava com desdém por ser mulher. Ele a via da mesma forma com a qual via seus irmãos. Era muito mais do gosto desta princesa, treinar com espadas com seus irmãos a sorrir falsamente para pessoas que nem conhecia. Na verdade, odiava ser tratada e vista como mercadoria. Como um animal de qualidade que um dia seria vendido a um preço alto para alguém de outro reino... à sua maneira, era muito diferente de uma princesa padrão. Causava admiração. Desejo em alguns e julgamento e condenação em outros.
~ O encontro ~
A princesa chegou ao reino longínquo. Deslocada, com medo e insegura era claro em seus olhos o sentimento de receio quando adentrou um castelo muito diferente do seu com pessoas muito diferentes das quais estava acostumada. Era tudo tão diferente... parecia outro mundo... logo foi encaminhada para seus aposentos e apresentada ao rei e à rainha que a receberam com muita cortesia. Naquele momento, princesa e guerreira foram apresentadas e, mesmo uma não sabendo falar a língua da outra, nasceu uma bela amizade entre as duas porque tinham algo muito importante em comum: um bom coração.
A princesa e guerreira não eram meninas, mas tampouco mulheres. Aprenderam muitas coisas juntas, aprenderam muito uma com a outra porque, por mais que até suas aparências fossem diferentes, elas, acima de tudo, se respeitavam. Passaram não muito, mas nem tão pouco tempo juntas, mas o tempo que passaram, para elas, valeu ouro.
~ O casamento ~
Anos se passaram mas a amizade da princesa e da guerreira continuava firme. Trocavam cartas, iam visitar uma à outra de tempos em tempos. Eis que um dia, chega à guerreira, um convite de casamento. A princesa contraiu núpcias. Feliz por sua amiga, a guerreira imediatamente faz seus preparativos e vai para o reino onde será realizada a celebração.
Chegando no reino da princesa, conhece o futuro marido de sua tão querida amiga. O cumprimenta com educação mas percebe que ele a observa com um olhar de espanto e curiosidade. Já que ela era mulher que ele provavelmente nunca teria visto. Não se incomoda, é normal. Sua aparência é admirada por uns e menosprezada por outros...
~ Na taverna ~
A guerreira tinha gostos bem peculiares, e um deles, era colecionar venenos... ela justamente andava sempre com duas jóias: um colar e um anel. O anel continha veneno e o pingente do colar, o antídoto. Andava com a toxixidade e a cura para se previnir. Para usar em si mesma em alguma emboscada que sabia qual seria seu destino quando descobrissem que era mulher. Ou... contra algum inimigo mesmo.
No reino da princesa havia uma bruxa conhecida por fazer um veneno específico. A guerreira ouvira falar dela. Ao seu modo, descobriu onde e quando ela poderia estar. Conseguiu negociar um frasco deste veneno. O preço foi alto e só seria entregue em alguns dias em uma taverna. A guerreira concordou com os termos da negociação e, no dia certo, na hora certa, lá estava ela, na taverna, discretamente disfarçada.
A bruxa a encontrou e de forma sutil lhe entregou a mercadoria. Negócio fechado. Quando está quase de saída, eis que ouve a voz do futuro príncipe. Ela não vai cumprimentá-lo pois está com vestes suspeitas para uma princesa ou para uma guerreira mas resolve observar o comportamento do futuro príncipe e de seus soldados. Para ver se ele é digno de sua amiga.
Eis que ouve durante a conversa, o príncipe se referindo a ela, a guerreira, de forma extremamente desrespeitosa. Tem curiosidade sobre seu corpo, se há algo diferente. Pergunta aos seus guerreiros que sons ela emitiria na cama. Todos riem. A humilham. Outro pergunta se suas partes íntimas são menores e, supostamente melhores para a satisfação de um homem. Outro também se refere às suas intimidades, pergunta como seria bom se divertir com aquele corpo "exótico". Todos riem...
A guerreira, tem vontade de contar a garganta de todos os presentes. Mas controla-se. Sabe que não ganharia contra tantos homens e pior, sabia qual seria seu destino após dominada. Todos se divertiriam com seu corpo por horas, se não por dias e depois a matariam para que ela não contasse nada à princesa. Inventariam uma desculpa qualquer para seu sumisso. Se foram capazes de proferir tais palavras, o que não seriam capazes de fazer? Não... neste caso, ela deveria agir de forma mais fria... e alertar a princesa...
~ Decepção ~
A guerreira imediatamente volta para o palácio e conta o ocorrido para princesa. A guerreira só queria o bem de sua estimada amiga. Não acreditava que seu futuro marido fosse uma pessoa boa... depois de contar, a princesa, após alguns segundos calada, começa a dizer que, se aquilo que foi dito fosse verdade, ela entendia sua raiva mas que a guerreira deveria tolerar e se esquecer tudo o que ouviu. Dizia que homens falam besteiras e são assim mesmo... a princesa não notava, ela mesma podia estar em perigo... por mais que tivesse uma aparência e origem igual ao príncipe, a guerreira suspeitava de sua índole, de seu caráter. Temia muito pela segurança de sua amiga. Mas, quando insistiu, a princesa enfureceu-se: dizia que a guerreira queria destruir seu casamento porque estava com inveja. A guerreira retirou-se, em lágrimas. Nunca havia sido traída desta maneira. A princesa... já estava cega de amor...
~ Vingança ~
A guerreira era mulher fora dos padrões da época, e por isso, era muito julgada e condenada. Por ser guerreira e vestir uma armadura, era satirizada por uns e respeitada por outros. Nos duelos e campos de batalha, era tão habilidosa quanto um homem. Compensava a falta de força física com inteligência e habilidade. Mas, debaixo da armadura feita especialmente para ela, havia um corpo que despertava desejos... e ela sabia disso. Assim como era habilidosa nas batalhas, era também na cama. Sabia que o único poder que as mulheres exercem sobre os homens, é o poder da sedução. E ela, se utilizaria disso para se vingar e proteger a princesa.
Primeiramente, queria aniquilar os dois principais guerreiros do príncipe. Aqueles que também desferiram palavras cruéis a seu respeito. Para deixá-lo receoso. Quem sabe até ia embora, por medo. Era fácil conseguir ter os guerreiros em suas mãos. Para cada um, planejou minuciosamente sua vingança... mas teve ajuda.
As aias do palácio também eram assediadas pelos novos guerreiros. Em diversas ocasiões, a guerreira impediu que as aias tivessem seus corpos violados. Passado certo tempo, até ensinou a elas como podiam se defender. Haviam três que eram de sua confiança. As aias também não gostavam do príncipe. Para elas, ele era dissimulado. Tratava a princesa com cortesia mas olhava para elas despindo-as com os olhos, além de ser rude e arrogante. Concordavam que ele tinha que partir, gostavam da princesa e não queriam seu mal.
Numa noite planejada, a guerreira foi aos aposentos de um dos guerreiros. Com um vestuário que deixava seu corpo tentador, sabia que aquele ser repugnante não conseguiria resistir... antes de adentrar o quarto, colocou na ponta da sua língua uma gota do veneno que negociou com a bruxa. Foi fácil seduzi-lo. Ela sabia desta fraqueza dos homens, principalmente, homens com valores distorcidos. Beijou-o com vontade. Mas com vontade de tirar sua vida. Era como se ela quisesse ela mesma depositar o veneno no fundo da garganta daquele ser. O guerreiro logo ficou alterado. Não sabia porque aquela sensação era nova. Imaginou que a mulher de outro povo realmente tinha algo de especial, mal sabia ele que sua especialidade era a morte. A guerreira se afastou e logo tomou o antídoto que sempre vinha com o veneno. O ser, morreu em relativa paz. Entorpecido pela excitação que ela causara e confuso com a dor no peito e no estômago que sentia. As três aias e a guerreira sumiram com o corpo. O instinto de auto-proteção falava mais alto...
Procuraram pelo guerreiro. O mistério ficou no ar... Uns diziam que, de tanto beber, ficou insano, foi à noite para a floresta e depois foi devorado por uma fera. Outros diziam que se afogou bêbado no rio... mas, nenhuma suspeita. Quem poderia suspeitar de mulheres "fracas"... não teriam força para se livrar de um corpo...
O segundo guerreiro teve um fim semelhante. Mas, já que era mais atento e esperto, suspeitava de todos após o sumisso de seu companheiro. No jantar da noite planejada, uma das aias colocou respingos do veneno do anel da guerreira na taça do guerreiro. Não era o suficiente mas era o sufiente para fazê-lo se retirar aos seus aposentos. A guerreira já sabia o que tinha que fazer. Seduziu novamente. Mesmo relutante, o segundo guerreiro não conseguiu resistir. A guerreira amarrou-o na cama, ele, que nunca havia experimentado algo que o dominasse, ficou excitado. Sentia que realmente a mulher estrangeira tinha algo de "diferente", "especial". Mal sabia que sua especialidade iria matá-lo. Depois de dominado e entorpecido, a guerreira depositou o restante do veneno na boca do segundo guerreiro. Foi seu fim. Assim como o primeiro guerreiro, a guerreira e as aias se livraram do corpo com sensação de alívio. Seu sumisso foi um mistério mas já haviam suspeitas de conspiração.
Estes eram os piores guerreiros. Os que apodreciam os outros com ideias grotescas e obcenas. Os outros apenas reproduziam e os temiam. Afinal, eram o braço direito e esquerdo do príncipe.
Finalmente, chegou a vez do príncipe. Era para a guerreira o último gole do doce vinho da vingança... Não tinha mais veneno e pensava que seria mais difícil seduzi-lo então, a solução seria infincar uma adaga em seu coração. Com a ajuda das aias, distraiu os guardas e entrou sorrateira nos aposentos do príncipe, que já dormia com a princesa, mesmo antes de desposá-la. A princesa o amava tanto que saia de seus aposentos escondida para dormir junto ao seu amado. A guerreira ficou surpresa ao ver a cena mas logo se conformou. Via nos olhos da amiga uma menina que nunca teve seu coração partido, por isso, via o príncipe como tudo em sua vida. Via isso em seu olhar quando os observava caminhando pelo jardim ou fazendo refeições. A princesa estava nas mãos do príncipe.
Mas todos aqueles sentimentos de piedade sumiram ao se lembrar como ele se referiu a ela, à guerreira. Queria aniquilá-lo não só por ela, mas pela princesa. Não sabia o quão era dissimulado. Não sabia se a princesa correria perigo no futuro após a morte de seus pais...
Quando foi desferir o golpe, a princesa se mexeu, a guerreira até temeu que ela acordasse mas, se mexeu para se aninhar nos braços do seu amado... ela sabia que, se desferisse o golpe nele, sua amiga nunca a perdoaria. Seria caçada. Talvez isso até desse início a uma guerra. Como o amor cega...
A guerreira deixou a adaga no criado mudo como símbolo de misericórdia mas, de ódio também. Era inocência da princesa pensar que a guerreira sentia apenas raiva. A guerreira, sentia o mais puro dos ódios e decepção.
Saiu discretamente do aposento. Pegou suas coisas e levou as três aias consigo. Correriam risco se continuassem lá.
A guerreira partiu, para nunca mais ser vista.
Não se sabe o destino da princesa. Se continuou a ser bem tratada pelo príncipe ou este a descartou depois de tomar o poder e esta conceder-lhe filhos.
Elas viveram suas vidas paralelas, sem nunca se encontrarem novamente...
Secretamente, a guerreira queria que a princesa encontrasse um nobre genuíno, bondoso, cortez... mas ela nunca soube se isso aconteceu.
Só pensava que o homem que destrói a amizade de duas mulheres com palavras obcenas, não pode ser um homem bom...
Mas ela partiu para que os dois pudessem ser felizes. Sabia que não suportaria seus instintos e poderia desferir um golpe mortal no príncipe a qualquer momento...
Até hoje não se sabe o que houve tanto com a princesa, quanto com a guerreira...
Este conto teve como referência uma degradante experiência pessoal. Em que o namorado de uma das minhas melhores amigas quis saber como eu gemo por ser asiática. Esta mesma pessoa era/é um dos melhores amigos de um rapaz que eu namorei. Outros amigos e parentes do meu ex também disseram coisas obcenas a meu respeito. Por eu ser mulher e por ser asiática. Racismo e misoginia, juntos num coquetel tóxico que desumaniza. Minha ex melhor amiga ainda tentou colocar panos quentes na situação. Eu terminei com ela por causa dele. Maldito é o homem que desfaz a amizade entre duas mulheres.
Este conto teve como referência uma degradante experiência pessoal. Em que o namorado de uma das minhas melhores amigas quis saber como eu gemo por ser asiática. Esta mesma pessoa era/é um dos melhores amigos de um rapaz que eu namorei. Outros amigos e parentes do meu ex também disseram coisas obcenas a meu respeito. Por eu ser mulher e por ser asiática. Racismo e misoginia, juntos num coquetel tóxico que desumaniza. Minha ex melhor amiga ainda tentou colocar panos quentes na situação. Eu terminei com ela por causa dele. Maldito é o homem que desfaz a amizade entre duas mulheres.